terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

É possível reduzir a incidência de casos de fissura lábio-palatina? - Artigo*

As fissuras labiais, associadas ou não às fissuras no palato, são as malformações faciais congênitas mais comuns, com uma incidência que varia de 1:200 a 1:2000, a depender da origem geográfica, condições socioeconômicas e fatores ambientais (Gorlin et al., 2001; Loffredo et al., 2004).

O nascimento de uma criança com FLP constitui um problema de saúde médica relevante, de grande ônus para a família e para a sociedade, uma vez que além do tratamento cirúrgico corretivo, é necessária uma reabilitação por vários anos, envolvendo vários profissionais altamente especializados.

O tratamento eficiente desses pacientes, que é fundamental para que o fissurado se adapte adequadamente na sociedade, é extremamente complexo, com um custo médio de, pelo menos, R$400.000 (quatrocentos mil reais) por paciente. Assim sendo, deve-se avaliar a possibilidade de prevenir a ocorrência dessa malformação. Será que isto é possível?

A grande maioria dos casos de FLPs tem um padrão de herança complexo, onde a manifestação clínica depende de fatores ambientais e genéticos.
Entre os fatores ambientais, exposição a agentes anti-convulsivantes e excesso de vitamina A (ácido retinóico) durante os primeiros meses da gestação, representam fatores de risco para o desenvolvimento de fissuras no feto em desenvolvimento.

Ainda, há várias evidências que indicam que o fumo e a deficiência de ácido fólico estão também associados à ocorrência dessa malformação.
Há evidências recentes na literatura que sugerem que o uso de ácido fólico no período peri-concepcional e nos primeiros 3 meses de gestação, pode reduzir 1/3 da ocorrência dessa malforma-ção (Wilcox et al., 2007).

Um exemplo clássico do controle de fatores ambientais na redução do nascimento de malformações congênitas é o caso da suplementação de ácido fólico no período peri e gestacional que levou a uma redução de até 78% do nascimento de defeitos de tubo neural em algumas populações (Botto et al., 1999). Felizmente, no Brasil adotou-se a adição de ácido fólico na farinha.

Apesar de esta medida ser extremamente positiva, possivelmente é insuficiente para causar uma redução significativa do nascimento de crianças com malformações congênitas.

É consenso mundial que os fatores ambientais não são os únicos vilões na determinação das fissuras, mas que é necessária uma interação destes com a constituição genética do indivíduo.
Isto explica, por exemplo, porque apesar da exposição de fatores ambientais de risco em algumas populações, como fumo e/ou dieta baixa em ácido fólico, apenas algumas mulheres tem filhos com fissuras lábio-palatinas.

Em relação aos aspectos genéticos, tem-se demonstrado que a ocorrência de fissura lábio-palatina é um dos principais fatores de risco para o nascimento de um segundo caso.
Isto é, se um casal teve um filho com fissura lábio-palatina, é estimado que o risco deste casal vir a ter uma outra criança com esta malformação é de 4%. Isto significa que este casal tem um risco 40 vezes maior do que a população em geral de vir a ter uma criança fissurada.
Portanto, a história familial é um fator de risco significativo para o nascimento de FLP, sendo maior do que qualquer um dos fatores ambientais já identificados.

No momento atual é prioritário adotarem-se medidas educacionais em nível nacional que atuem na difusão dessas informações e esclarecimento da etiologia das fissuras lábiopalatinas, de forma a conscientizar a população quanto ao uso de complexos vitamínicos adequados e na dosagem correta, bem como na prevenção do fumo durante a gestação.

Ainda, é também fundamental orientar todas as famílias que tiveram um filho com FLP quanto ao risco de repetição e discussão de possíveis medidas preventivas para o nascimento de outros casos na família.

Paralelamente a essas medidas educacionais e de realização de aconselhamento genético, seria importante estabelecer estudos epidemiológicos de forma a podermos medir o efeito destas estratégias em nível populacional.

No Brasil nascem 3.000.000 de crianças por ano (IBGE, 2005). Se considerarmos uma incidência média de FL/P de 1:1000, estima-se que nasçam 3.000 fissurados por ano.
É possível que, se as medidas sugeridas acima fossem adotadas, poderíamos conseguir uma redução de, pelo menos, 30% da ocorrência de fissura; isto poderia representar redução de custo social em torno de R$1.200.000.000,00/ano (um bilhão e duzentos milhões de reais).

CONCLUSÃO: Assim sendo, deve haver um esforço nacional na implantação de medidas preventivas, bem como a introdução de programas epidemiológicos para o cálculo da incidência e prevalência das fissuras nas diferentes regiões do país.

* Por: - Maria Rita Passos Bueno¹* , PhD - Profa. Titular Genética, USP;
- Daniela Franco Bueno¹, CD/DDS, PhD / Nivaldo Alonso, MD², PhD Professor Associado ¹Centro de Estudos do Genoma Humano, Departamento de Genética e Biologia Evolutiva Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo ² - Departamento de Cirurgia Plástica, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência: Maria Rita Passos-Bueno, Rua do Matão, 277, Centro de Estudos do Genoma Humano, Depto. Genética e Biologia Evolutiva, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo. CEP: 05508-900, São Paulo, SP. e-mail: passos@ib.usp.br

Referências:
1. Gorlin RJ et al., In Syndromes of the Head and the Neck. 4th edition, 2001, Oxford University Press, pp852.
2. Loffredo LCM, Souza JMP, Freitas JAS, Mossey PA. 2004 Oral clefts and vitamin supplementation. Cleft Palate Craniofac J. 2001 Jan;38(1):76-83.
3. Wilcox AJ, Lie RT, Solvoll JT, McConnaughey DR, Abyholm F, Vindenes H, Vollset SE, Drevon CA. Folic acid supplemnts and risk of facial clefts: national population based case-control study. BMJ 2007: 334; 464-471.
4. Botto LF, Moore CA, Khoury MJ, Erickson JD. Medical progress: neural tube defects. N. Eng. J Med. 1999:341:1509-19.
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Esta é mais uma postagem da ABFP - Pedimos que a divulguem. Gratos!

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